segunda-feira, 3 de outubro de 2011

Prepúcio sagrado


O Prepúcio sagrado (em Latim præputium) é uma das muitas relíquias católicas relacionadas com a figura de Jesus Cristo. Trata-se, alegadamente e como o próprio nome indica, do prepúcio de Jesus Cristo, retirado do seu corpo durante a circuncisão, ritual a que o povo judeu submete todos os seus rapazes. Por diversas vezes ao longo da história, houve várias igrejas ou catedrais a reclamar a sua posse, algumas ao mesmo tempo. Há vários milagres atribuídos a esta relíquia.

A primeira ocorrência conhecida do prepúcio sagrado aparece na Idade Média na Abadia de Charroux, em França, apresentada aos monges por Carlos Magno, rei de França e Imperador do Sacro-Império Romano-Germânico. Segundo a lenda, a relíquia foi entregue ao piedoso rei por um anjo, embora outras versões reclamem a origem como um presente da Imperatriz Irene de Bizâncio. No princípio do século XII, esta versão do prepúcio sagrado foi levada para Roma e apresentada ao Papa Inocêncio III, a quem foi pedido um veredito sobre a sua autenticidade. Com prudência, Inocêncio recusou pronunciar-se. Já no século XVI, o seu sucessor Clemente VII declarou que o prepúcio sagrado era uma relíquia verdadeira e fruto do corpo de Jesus, concedendo indulgências aos peregrinos que viessem prestar homenagem. Os opositores da Igreja, que se divertem muito com estas estórias, contam que pouco tempo depois, em 1527, durante o saque de Roma pelas tropas de Carlos V, Imperador da Áustria, surgiu nova prova de legitimidade. Os soldados trouxeram uma rapariga virgem perante o relicário e, alegadamente, o prepúcio exibiu as suas propriedades milagrosas ao aumentar de volume de forma considerável. A dada altura, a relíquia desapareceu até ser encontrada em 1856 por um operário que trabalhava no restauro da Abadia.
Papa Clemente VII, que declarou a autenticidade do santo prepúcio
Outra menção histórica e concorrente do prepúcio sagrado pertence à Abadia de Coulombs, da diocese de Chartres, em França. A relíquia teve um papel importante na vida da princesa de França Catarina de Valois, então casada com o rei Henrique V de Inglaterra. Estando grávida pela primeira vez em 1421, e certamente ansiosa, a princesa mandou buscar o relicário para encontrar conforto espiritual. Dizia-se então que as emanações sagradas da relíquia garantiam um parto indolor e prometiam saúde de mãe e filho. Henrique VI de Inglaterra veio ao mundo sob esta influência milagrosa.
Voltaire, no seu Tratado sobre a Tolerância de 1763, refere com ironia que a veneração do prepúcio sagrado era uma prática muito mais razoável que a de detestar e perseguir o próximo.
São conhecidos outros verdadeiros prepúcios sagrados reclamados em dada altura pelas catedrais de Puy-en-Velay, Santiago de Compostela, Antuérpia, Besançon, Metz, Hildesheim e Calcata. A versão do prepúcio pertencente a esta última foi exibida perante os fiéis numa procissão anual até 1983, quando o precioso relicário e o seu sagrado conteúdo foram roubados desta igreja italiana.
Para não mencionar as questões evidentes que a conservação de uma porção de pele com cerca de 2000 anos representa, as objeções mais capazes à veracidade do prepúcio sagrado são de ordem histórica. O fato de várias igrejas reclamarem possuir o sagrado prepúcio, sendo que o menino Jesus era um só; o aparecimento tardio da relíquia (século IX) e o enredo fantasioso que envolve suas origens já deveriam servir para o descrédito da relíquia.
Ao longo do século XX, com o advento da tecnologia científica e o respectivo espírito crítico que esta acarreta, a Igreja Católica distanciou-se do culto das relíquias em geral, incluindo o prepúcio sagrado. Em comunicações oficiais, o Vaticano exprimiu a opinião de que o prepúcio mais não é do que uma lenda de devotos, que no entanto deverá ser respeitada.

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